quarta-feira, 15 de julho de 2009

Um conto de domingo

Hoje é domingo. A cidade amanhece devagar, preguiçosa. Imagino lá fora as pessoas acordando, o cheiro de café passado na hora, leite quentinho no fogão. Hoje é domingo, dia de acordar com o velho LP de Tom Jobim na vitrola chiada. Algumas faixas pulam, alguém logo vem pra ajeitar. Hoje é domingo, ninguém sai pra trabalhar, ouço vozes na cozinha, quem será?

O barulho entra por debaixo da minha porta, me convidando a levantar, pois hoje é domingo, dia da feijoada na panela de pressão. Alguém desliga a Vitrola e Tom pára de cantar. Meu pai logo pega o violão. Toca aquela música que eu gostava na infância. Domingo no parque, de Gil: Juliana na roda com João, Juliana e o sorvete na mão...

Hoje é domingo e eu me espreguiço devagar. Não há pressa, você diz, e eu volto a me deitar. As vozes lá fora se animam, cantam e riem. No meu quarto o tempo parece congelar. Você me abraça forte, diz alguma coisa, como se vida lá fora fosse uma grande perda de tempo. Mas o que é o tempo afinal?

Não é hora de questionar! Pois hoje é domingo, dia em que não se deve pensar demais. Deixa isso pra segunda! Penso na feijoada, na voz de Tom, no beijinho na nuca, do jeito que eu mais gosto. Começo a cantar baixinho: enquanto isso, anoitece em certas regiões e se pudéssemos ter a velocidade para ver tudo, assistiríamos tudo...
Você sorri!

Está na hora de ir. O domingo me chama: vem, vem, vem matar essa paixão que me devora o coração... Me levanto devagar, bem louca e descabelada. Você pergunta que horas são, mas eu nem sei te falar, pois hoje é domingo, pé de cachimbo, o relógio parou de funcionar.

As velas

Há uma pequena igreja naquele vilarejo. Suas paredes são azuis, manchadas de tempo. As portas estão sempre abertas, convidativas, embora eu não veja muitas pessoas lá dentro. Chama-me a atenção uma pequena porta lateral, de onde sai uma luz.

É um velário, pequeno quarto de pedidos! Já não se faz mais desses na cidade grande. Lá dentro, não há nada. Apenas velas acesas, muitas velas. E elas dançam ao som do vento, fazendo sombra nas paredes queimadas. Há tempos houvera ali um incêndio. E até hoje suas escuras paredes carregam marcas.

Tenho vontade de ajoelhar, mesmo não partilhando daquela crença. Aquele não era lugar de crenças, mas de silêncio. Noto que algumas pessoas rezam ao meu lado. Algumas pronunciam palavras em sussurro, outras fecham os olhos procurando algo que não se vê.

Eu apenas observo, em respeito, enfeitiçada pelo calor do fogo. Imagino qual seria a história de cada uma daquelas velas, tão vivas. Quais seriam os pedidos, os desejos, os rostos daqueles que passaram por ali, esperançosos?

Só então percebo que eu também estou rezando. E algumas lágrimas correm livres, sem razão. Peço por todas aquelas velas e suas histórias, seus donos e seus pedidos.

Porque todo desejo sincero é sagrado!

Somos tão humanos.